NA FREQUÊNCIA DA MUDANÇA
Um dia desses um
amigo e irmão, que é meu companheiro de carreira cristã há muito tempo, chegou
a mim e falou as seguintes palavras: “Miguel, te admiro por você fazer um
trabalho assim. Pregar para presidiários não é uma tarefa para qualquer um. Eu
pelo menos não tenho essa disposição ainda”. É fundamental saber que este irmão
não é alguém que se opõe a pregação do evangelho num presídio e sim que não
consegue enxergar em si mesmo um amor suficiente que mude sua opinião pelas vidas
de presidiários. E nem consegue enxergar em si mesmo uma fé que possa lhe fazer
acreditar que vidas podem ser mudadas pelo poder de Deus.
Por três anos de
pregação no presídio (principalmente no CECAL, onde dediquei a maior parte do
meu tempo) sofria com uma difícil luta interna. Ela me fazia cogitar a
possibilidade de desistência frequentemente. Esse pequeno espaço de tempo me
fez perceber que muitos candidatos ao ministério com detentos começavam com um
grande empenho e uma grande empolgação. Com o passar dos tempos iam gradativamente
se desanimando e por inúmeros motivos deixavam de participar conosco deste
trabalho.
Aprendi com um
pastor e escritor chamado Jonh Piper que a pregação da palavra tem como alvo a
glória de Deus, ela tem como base a cruz de Cristo e é movida, inflamada e
encorajada pelo Espírito Santo. As experiências de desânimo que levavam muitos
a desistirem (inclusive eu, por diversas vezes) fizeram-me notar quão verdadeira
era esta instrução. Certamente não podia confiar em minha empolgação e tampouco
em minha disposição para ir e pregar sábado após sábado. Existia um conflito em
meu coração que me perseguia quase que incansavelmente. Lembro-me
de vários e vários momentos em que acordei querendo simplesmente ficar na cama,
deitado e descansando de minha exausta semana de trabalho e estudo. Costumeiramente
minha oração era para que Deus mudasse meu pensamento, renovasse minha alegria
e me ajudasse a fazer sua obra com amor, muito amor, amor o suficiente para amar
a Ele em primeiro lugar e amar meu próximo como a mim mesmo.
Minha esposa, na
época namorada e depois noiva, é testemunha das minhas tristezas e covardias.
Contudo, no início do ano de 2012, tudo isso mudou radicalmente. Ao decorrer de
cada semana, pensava mais sobre os jovens que estavam presos, e por incrível
que pareça, comecei a ficar com saudade de tudo aquilo. Estava ávido para novamente
pregar as verdades confrontadoras do evangelho. Por três anos plantei e não vi
o resultado da colheita. Tudo isso me fez enxergar que o dono do plantio não
era eu, e sim o Senhor Deus. Foi aí que pude então encontrar descanso e consolo
que me encorajaram a prosseguir fortemente, vencendo meus desânimos.
Um pouco antes do
meio do ano comecei a ser agraciado com o privilégio de presenciar jovens sendo
transformados pelo poder de Deus, através da mensagem da cruz. Ver Cristo sendo
formado na vida de jovens, aparentemente sem solução (na opinião de muitas
pessoas), deixava-me muito grato diante de Deus. Certa vez fui com a finalidade
de pregar, porém fui frustrado positivamente quando Deus usou um deles para
falar-me algo que eu realmente necessitava ouvir.
Havia, dentre os
jovens um que era magro, sem muita expressão de carisma, com uma dicção não
muito imponente, no entanto com uma profunda e sólida vontade de aprender mais
de Deus. Esta vontade não era singular. Outros dois também compartilhavam desse
propósito. Por esse motivo toda a minha rotina no CECAL foi mudada e decidi me dedicar
exclusivamente à orientação e edificação deste grupo de jovens que decidiram se
arrepender de seus pecados. Era a primeira vez que desenvolvia um trabalho dessa
maneira.
Iniciamos um
programa de pregações expositivas do livro de Romanos. Líamos juntos e eu
comentava verso por verso de quase todos os capítulos. Durante meses vi o
crescimento inacreditável naqueles jovens. Toda a casa dava bom testemunho do
comportamento destes novos filhos de Deus. Comecei a comprar algumas
literaturas cristãs, com o dinheiro ofertado pelos irmãos de várias igrejas nas
quais eu passava para apresentar o Ministério Resgate. Foi um crescimento tão
notável que não me imaginava primeiramente como um instrumento da graça de
Deus, e sim como um privilegiado de ver o poder de Deus se aperfeiçoando na
vida de jovens detentos. Era o evangelho de Deus penetrando e dominando verdadeiras
fortalezas de Satanás. Era a luz iluminando as trevas da podridão espiritual
que ali havia.
Num certo sábado,
louvando ao Senhor e aprendendo juntos de sua palavra, o jovem magro, aquele
que era desprovido de uma notável dicção, me pediu uma Bíblia de estudos.
Pedi-o que orasse ao Senhor por isso, e que não deixasse de fazê-lo por um dia
se quer. Oramos juntos, até que um irmão utilizou parte do seu 13° salário e o
presenteou com um exemplar de uma Bíblia de estudos Macarthur. Quando entreguei
a ele, seus olhos encheram-se de lágrimas quando afirmou ter acabado de orar
por aquilo.
Dias depois, algumas
dúvidas básicas apareceram da parte do jovem magro durante nosso estudo.
Surpreso por ele não saber, indaguei-o sobre suas leituras no livro de Romanos
e constatei, para a minha momentânea tristeza que ele estava em falta com a
leitura do mesmo. O motivo era porque ele estava se dedicando a leitura sistemática
da Bíblia e que já estava nos livros históricos. A minha súbita tristeza se
transformou em alegria vibrante por saber que estava fazendo um ótimo uso de
sua reclusão.
Ao se aproximar do
fim de ano, os instruí para que orassem ao Senhor para que houvesse uma
intervenção divina contra uma possível rebelião dentro da casa. Quando retornei,
em Janeiro do ano seguinte (2013), soube que passaram a virada de ano louvando
ao Senhor com todo o restante do bloco. Certamente bem melhor que muitos
reveillons anteriores. Eu estava ali, sem palavras, alegre e surpreendido com a
maravilhosa graça de Deus.
Por incrível que
isso possa parecer, essa não era ainda a maior notícia. Além de mais um ano sem
rebelião, aqueles jovens estavam pregando e louvando ao Senhor em dias
alternados, no período da tarde, com todos os internos de seu bloco, até mesmo alguns
instrutores participavam do culto. O jovem magro havia terminado toda a sua
leitura bíblica e iniciara novamente, agora pelo Novo Testamento, e já estava
em Atos. Suas marcações, feitas à caneta, nos versos bíblicos não o deixavam
mentir. E seus versículos decorados testificavam disso. Eles pregavam a todos para
quem eu não podia pregar. Atônitos me falavam que praticamente todo o bloco
estava convertido à Cristo.
A última grande
benção foi o convite que recebi deles para fazer uma visita à rádio. Isso
mesmo! Eles estavam fazendo um programa semanal na rádio interna da casa chamada
Geração Livre. Músicas, orações, recados, testemunhos e a mensagem das Escrituras
estavam sendo feitas no programa com a duração de duas horas, às terças-feiras,
pela manhã.
Confesso que tentei
cumprir meu compromisso cabalmente, porém problemas logísticos não deixaram que
o fizesse. Mesmo assim, cheguei. Atrasado, mas cheguei. Quando abri a porta,
todos me receberam com palmas como se me esperassem acreditando piamente que eu
chegaria. Ver aqueles jovens desempenhando uma ótima função como radialistas me
fez sentir uma boa satisfação. Mas ao vê-los pregando, me fez sentir profundas
emoções. Naquele dia eu era apenas um visitante. Dessa vez, eram eles que
estavam plantando.
De tudo que eu
escrevi, não existem hipérboles textuais. Não existem exageros. Talvez seja difícil
acreditar que tudo isso tenha acontecido em menos de um ano dentro de um
presídio. Todavia, eu só tenho a agradecer e me alegrar por tudo o que o Senhor
vem fazendo nesse trabalho. Por muito tempo pedi fervorosamente que Deus os
concedesse forças para continuar a jornada, para se firmarem nos caminhos de Cristo. Há algum tempo minha oração mudou. Peço-Lhe mais que isso. Meu desejo é que do presídio saiam verdadeiros homens de Deus,
pregadores fervorosos e apaixonados pela glória do Altíssimo, missionários com
extremo temor a Ele e que sejam intensamente usados onde estiverem.
Não sei qual será o
destino deles quando chegarem à liberdade. Não sei se serão notáveis homens ou
se ocorrerá algo trágico com eles. Não sei ao certo se terei notícias suas. Não
tenho certezas, nem convicções sobre isso. Mas uma coisa eu afirmo: Aquele que
começou a boa obra irá terminá-la, mesmo que eu não veja. Disso eu não tenho
dúvidas.
Miguel Alysson
Ministério Resgate Entre os Detentos
Realmente é maravilhoso Miguel o que Deus tem feito tanto em sua vida como na dos jovens dentro do CECAL,que toda honra e glória seja dada ao salvador para todo o sempre.AMÈM
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