SOBRE MINHAS ALEGRIAS
NO MINISTÉRIO PRISIONAL


Fazer missões urbanas nos presídios não é algo que traz muitos resultados visíveis, pelo menos não pra mim. De fato já se passaram cinco anos de trabalho semanal com detentos e ainda não tenho uma lista enorme de gente que foi transformada por causa do evangelho. É verdade que não sou nenhum empresário, e que por isso meu foco não é e nem está nos resultados, mas confesso que trabalhar durante três anos e não presenciar uma conversãozinha sequer não é lá a coisa mais empolgante do mundo. Mas quanto a isso já aprendi a lição. Demorou, mas aprendi.

Minha mente mudou. Entendi que o trabalho tinha que ser feito da melhor maneira que pudesse e que depois disso eu poderia descansar sabendo que eu sou apenas o semeador e que o crescimento vem de Deus. Aprender isso me fez guerrear como um espartano e descansar como um baiano.

Hoje quero contar-lhes de quatro grandes alegrias que tive no ministério com detentos.

Deus decidiu me agraciar com boas notícias. E de dois anos pra cá as coisas começaram a melhorar. A primeira foi que certa vez estava em uma parada de ônibus após um dia de trabalho e vi alguém me chamando: “Irmão, irmão!”. Olhei para o lado e vi um jovem bem aparentado, provavelmente retornando também de um dia de trabalho, vindo me perguntar se eu não o conhecia. Eu o olhei fixamente e com sinceridade falei que não me recordava dele. Então ele começou a falar que era um ex-detento e que sempre me via pregando no presídio. Confessou-me que enquanto eu pregava, ele se escondia, me evitava para não ouvir a mensagem que eu trazia. Porém isso não era toda a história. Algo um tanto improvável tinha acontecido e eu não fazia a mínima ideia do que seria. Ele me contou que havia se convertido depois que saiu do presídio, então começou a trabalhar e estava firme em uma igreja. Na verdade ele queria me agradecer e dizer duas coisas: a primeira é que a Palavra de Deus não volta vazia e a segunda era que mesmo fugindo de Deus o evangelho o tinha capturado. Fiquei feliz. Na verdade muito surpreso e contente. Eu estava aprendendo ali que o evangelho de fato era o poder de Deus e não o meu.

A segunda foi que logo depois desse encontro comecei a pregar para um jovem franzino que me escutou por quase um ano. Ele me ouviu pregar a carta aos Romanos quase inteira, exceto dois capítulos. Ele leu a Bíblia toda quase duas vezes durante esse tempo, decorou muitos versículos, leu muitos livros cristãos, pregou em uma rádio dentro do presídio por um longo período, fez cultos nos blocos de detenção, encorajou a muitos para continuarem na fé, até ajudou a dissuadir mentes que arquitetavam uma rebelião e uma vez quase se meteu numa confusão com um detento muito perigoso só por ter entregado um folheto evangelístico a ele. Após ganhar a liberdade se mudou para longe por causa do crime que havia cometido. Sua família inteira foi resgatada pela graça de Deus. Todos estão assíduos na igreja e ele se tornou um trabalhador extremamente responsável e capaz. Sempre que tenho oportunidade passo muito tempo falando com ele pelo telefone ouvindo-o falar das boas notícias. Além de um grande irmão, certamente se tornou uma das maiores alegrias que tive desde que comecei a auxiliar nesse ministério. Sempre compartilhava comigo seu grande desejo de ser missionário. Quem sabe?

Enquanto o trabalho continuava, as alegrias continuavam surgindo, só que dessa vez foi através das provações. A terceira alegria que tive era do tipo que não seguia as leis de marketing, era como um presente numa embalagem pra lá de feia, cujo conteúdo realmente vale a pena, só que não se sabe disso até abri-lo. A maioria de nós fica triste com dificuldades, mas ver o que Deus faz através delas nos enche de alegria. Eu recebi esse presente e confesso que não estava com a mínima vontade de saber o que tinha dentro.

Às vezes é bem difícil ser compreendido quando se faz um trabalho visto por muitos como nobre. Passamos por crises e em alguns momentos carecemos de palavras firmes e até duras que possam tratar nossa alma. Esse era o meu caso. Naquela hora eu não precisava de analgésicos que aliviasse dores de cabeça, eu precisava de algo que realmente fosse ao centro da questão. Eu estava mal, frustrado e muito desanimado com um crime bárbaro, o estupro de uma menina de nove anos, cometido no final de setembro de 2013, por um ex-detento no qual dedicamos muito tempo de nosso trabalho em oração, em pregação, em discipulado e em aconselhamento. Recaídas – isto é, reincidência de crime – não são inéditas dentro e fora do mundo prisional. Entretanto esse caso em particular conseguiu me acertar como um soco no queixo. Fui à lona. Mais que isso: perdi o chão. Entrei em sérios questionamentos que eu mesmo não conseguia responder. Por causa disso parei por algumas semanas o trabalho, tentando me reorganizar internamente.

Então, em uma conversa aberta com alguns amigos pude encontrar grande sabedoria. Um deles me fez uma série de perguntas que me fez refletir profundamente: “Você consegue mensurar o resultado do seu trabalho? Você tem ciência de quantos crimes vocês já evitaram pregando para bandidos? Quantos estupros foram evitados pela pregação de vocês? Quantas mortes foram evitadas? Quantos ‘acertos de conta’ foram evitados? Quantas rebeliões?”. O que eu poderia responder? De fato não havia resposta alguma a dar. Tudo o que eu podia oferecer era apenas meu silêncio e minha atenção. Somente Deus poderia dar essas respostas. Minha dor não somente foi aliviada, mas o problema da minha má compreensão da realidade foi tratado.

Assim que retornei às atividades tive a quarta alegria. Comecei a pregar num bloco de dez celas. Lá havia quase trinta jovens. Logo iniciei o acompanhamento de três internos, depois seis, depois nove e hoje não consigo dar conta de tantas pessoas que querem escutar, inclusive o interno que quase briga com o jovem franzino citado anteriormente. Ele professou a fé em Cristo e tem sido, talvez, o mais interessado. A grande maioria não acredita nele, porém ele está começando uma nova história. Quando prego, os internos ficam trancados dentro de cada cela enquanto eu fico um pouco distante, tentando falar num tom que o máximo de pessoas possa ouvir.

Analisando a situação presente, posso afirmar que nunca estivemos numa situação tão boa em cinco anos. Mesmo com um princípio de motim ocorrido também em setembro, já são quatro anos sem rebelião. A indiferença tem ficado gradativamente para trás e estamos prosseguindo em semear a Palavra de Deus. O número de interessados tem crescido e já não conseguimos atender a todos os que querem ouvir. Não é a toa que muitos me falam pelo facebook que estão orando sempre por nosso trabalho. Orações são grandes demonstrações de amor e carinho que nos servem como apoio espiritual. Creio francamente que Deus tem escutado tais orações. Estamos sendo abençoados e disso não temos dúvida. Há mais paixão, há mais interesse, há mais amor. Por este motivo precisamos de mais trabalhadores, de mais homens dispostos a ir conosco pregar e formar grandes líderes dentro do presídio.



Se você ainda não ora por isso comece hoje, pois lá no fundo, suspeito que Deus está fazendo do presídio um celeiro de grandes homens, grandes teólogos e grandes missionários, porque o evangelho é o poder de Deus e não o nosso!


Miguel Alysson
Ministério Resgate Entre os Detentos

2 comentários:

  1. É meu irmão, depois da conversa que tivemos naquele sábado na sua casa, percebi que a obra realizada por vc e pelos outros irmãos não é uma busca apenas por conversão mas vai muito além disso, temos ciência de que o nosso "Deus pode fazer muito mais do aquilo que pedimos e pensamos" então Miguel, continuemos castigando nossos joelhos e com a permissão de Deus estou mais convicto a cada dia de querer repassar a palavra de Deus ou nos presídios ou onde o Senhor despertar em meu coração que eu vá, conte comigo em oração e em atitudes!!! Deus o Abençoe!

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    1. Amém, Renan! Que o Senhor possa direcionar você para o centro da vontade dele! Fica na paz, meu irmão!

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