A GRAÇA DE DEUS NÃO ESTÁ PRESA


O dia amanheceu chuvoso e uma leve dor de barriga se misturou com um pequeno incômodo na garganta logo que acordei. Fiquei pensando por um tempo se realmente eu teria que ir ao CECAL naquele sábado. Apesar de tudo isso, havia algo que me incomodava mais ainda. O meu coração estava indisposto a pregar. Não falo simplesmente de uma vontade de ficar em casa, me recuperar e dormir até a chuva passar. A questão era um pouco mais profunda. 

Eu não estava decepcionado com o ministério, nem entristecido com o trabalho, tampouco cansado da minha rotina. O que estava sentindo era um vazio de sentido em meu coração, especificamente sobre a minha continuidade no ministério Resgate Entre os Detentos. O dilema me levou a uma reflexão sobre o porquê de continuar e até quando Deus me concederia a oportunidade de permanecer. E confesso que isso foi o que mais me doeu, ainda que esse “vazio” deixasse meus sentimentos um pouco dormentes. 

Não conseguia me enxergar falando da Bíblia com um entusiasmo negativo, uma empolgação medíocre ou uma euforia deprimente. Como iria pregar desta forma? 

Depois de tentar refletir nisso meu corpo logo começou a falar mais alto e assim que saí de casa, a caminho da parada de ônibus, minha barriga doeu, a chuva não dava sinais de trégua, eu estava sem guarda-chuva e minha garganta dava claros avisos de que brevemente eu iria adoecer. Ainda muito pensativo, peguei o ônibus, sentei-me e minha barriga deu sinais gritantes de que eu não estava bem. Pensei se não valeria a pena descer na parada seguinte e antes de eu dar o meu próprio veredito, simplesmente fui a Deus em oração. 

Abri meu coração e confessei que minha incapacidade era tão grande que nem mesmo conseguia sujeitar as minhas vontades em obediência à Cristo. Creio que minha fé estava bem distante da fé que Deus queria que eu tivesse. Mesmo assim, pedi respostas. Pedi também que a chuva parasse e que minha barriga deixasse de doer. Cheguei ao terminal e minha barriga ainda doía, a chuva ainda caia forte, eu não tinha respostas e para completar o meu ônibus não chegava. 

Fui para outro terminal, esperei mais de vinte minutos para pegar o outro ônibus. Estava atrasado. Pensei em desistir e quanto ia amadurecer essa ideia, o ônibus chegou. Abri desesperadamente o texto em que eu ia pregar, na esperança que Deus falasse algo ao meu coração que me reanimasse, ou coisa do tipo. Hebreus 1, falava que Jesus é a exata expressão de Deus, que Ele criou todas as coisas, que nada subsiste se não for por Sua Palavra, e que ainda purificou (ou purifica) a Sua criação do problema do pecado. Deus arrebentou o meu coração, a chuva passou, a barriga parou de doer e um considerável descanso iniciava sorrateiramente a invadir meu coração.  

Logo que entrei no bloco V, nenhum dos internos me deu atenção. Todavia, fui até um, chamado Paulo, que estava sozinho em sua cela. Ele estava lendo sua Bíblia quando cheguei, e me recebeu com um belo e costumeiro sorriso largo. Paulo havia cometido um crime e, ainda em liberdade se converteu. Tempos depois se firmou na igreja, o que não o impediu de ser submetido a uma medida socioeducativa. Sua vida é extremamente diferente da dos demais internos. Seu excelente comportamento e sua alegria constante são a parte mais nítida de seu caráter. 

Interrompi educadamente sua leitura e o cumprimentei. Conversamos rapidamente antes de eu ir às outras celas – ainda que minha recepção não tivesse sido calorosa. Após retornar, no intuito de começarmos nosso estudo, Paulo percebeu que eu estava diferente, com um “semblante meio desanimado”. E durante quinze minutos escutei, de maneira atenciosa, o que Deus tinha para me falar através daquele interno, para quem eu iria pregar. 

Ele me disse o quanto ficava feliz em me ver sábado após sábado, saindo de casa para poder pregar a quem estava preso. Disse que era muito grato pelos ensinamentos recebidos e o quanto isso tinha feito bem ao seu coração. Depois me disse que eu não deveria desistir, ainda que viessem dias difíceis, de grande provação, o trabalho no Senhor nunca seria vão e que por isso a vida com Deus valia realmente a pena. Foram vários versículos e conselhos que aquele jovem me deu. Eu pedi respostas não foi? E Deus de fato me concedeu o que a minha alma buscava, ainda que não fosse da maneira que eu imaginava. 

Fui para pregar, mas a palavra que eu escutei foi o suficiente para mostrar que a soberania de Deus constantemente me deixa de boca aberta. A graça de Deus, mais uma vez, derramou uma porção de força, um pouco de combustível para continuar. Não sei até quando, mas enquanto eu estiver no ministério, sei que Deus ensinará muitas coisas através das nossas vidas e também aos nossos corações através da vida de seus santos, estejam eles onde estiverem, seja em liberdade, seja no presídio. Deus não limita Seu poder a minha compreensão, Sua graça não está presa. E quando Ele quer agir, certamente não serei eu que poderei impedir. 



Miguel Alysson
Ministério Resgate

2 comentários:

  1. Deus sempre nos surpreende. Simplesmente o obedeça que muitos frutos serão colhidos. Persevere! :)

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  2. Celina Filha: Certezz, Debohra! Tem um versículo que acho muito show e expressa bem isso que diz: "Bem aventurado o homem que suporta, com perseverança, as provações, pois depois de ter sido aprovado receberá a coroa da vida, a qual o Senhor prometeu aos que O amam". (Tg 1.12)
    ou seja, as provações servem para que cresçamos na fé e sejamos perseverantes, sempre subindo de nível no "ranking" do Senhor!hehe

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