POR QUE OS CARAS QUE CONHECI ENTRARAM PARA O
TRÁFICO
Ministério Resgate
Falar sobre o tráfico é falar muito mais do que dependência
química ou de um “problema social”. Falar sobre o tráfico é poder enxergar os
porquês de tanto alistamento jovem para esse exército tão destrutivo. Se ele é
tão nocivo, o que ele tem para oferecer?
O TRÁFICO E EU
Ainda me lembro da primeira vez que vi alguém se drogando.
Eu era bem criança, talvez sete ou oito anos de idade. Foi quando passei na
casa de um colega de sala, e na calçada dele tinha um adolescente usando
drogas. Fiquei espantado, mas continuei vendo aquilo até que meu colega pediu
para eu deixar de olhar. Nunca mais me esqueci daquele dia.
Aos nove anos, quando estava na quarta série, me mudei para
uma escola pública. E como meus conhecimentos futebolísticos eram
insuficientes, me aproximei das meninas de minha sala, que eram três ou quatro
anos mais velhas que eu. Dentre elas, havia um grande número que namoravam
jovens traficantes e algumas que namoravam os filhos de traficantes. Através da
amizade que tinha com elas, pude ter acesso com frequência a informações de
alguém que tinha sido preso ou que tinha morrido por causa da compra e venda de
drogas. Por cinco anos vi, ouvi e presenciei coisas que não queria ter visto
nem ouvido.
Quando cheguei ao ensino médio, notei que o clima era
bastante diferente. Deparei-me com uma turma alegre, descontraída e, logo de
início, fiquei bem à vontade. Então para minha surpresa uma grande parte dos
meninos de minha sala tinha envolvimento com o tráfico de drogas. O choque
maior veio quando descobri que eu era um dos poucos de minha sala que não
possuía um revolver. Mesmo com essa notável diferença, os meninos me
respeitavam muito e até paravam para ouvir quando eu lhes falava sobre Deus.
Aquilo para mim era muito intrigante. Não conseguia me
conformar como jovens tão legais e inteligentes podiam entrar nessa vida. Por
que estão nessa? E por que não saem de uma vez por todas desse caminho? – eu
perguntava para mim mesmo. Confesso que essas perguntas permearam minha mente
durante anos.
O TRÁFICO E ELES
Um tempo depois de finalizar os meus estudos no ensino
médio iniciei um trabalho no Ministério Resgate Entre os Detentos, auxiliando o
Ronaldo nos estudos bíblicos no presídio para jovens (CECAL). Lá conheci gente
de vários lugares. E as causas de estarem ali também eram bastante
diversificadas. Homicídios, assaltos, furtos, porte ilegal de arma,
latrocínios... A lista, de fato, era enorme. Era raro encontrar alguém que
tivesse respondendo à apenas um artigo criminal. Com o passar do tempo fui
descobrindo que mais de 90% dos jovens que conheci lá dentro tinham ligação
direta ou indireta com o tráfico de drogas.
A pergunta que permeou durante anos a minha mente me levou
a uma busca incansável por respostas. Não tinha ideia de como poderia fazer
isso, mas sem dúvida não queria parar até consegui-las.
Os meses se passaram e comecei a tentar me imaginar como um
traficante. O que poderia me motivar ou me seduzir para que entrasse no
tráfico. Assim, comecei a me imaginar como eles. Olhava e escutava com atenção
a tudo o que estava em minha volta, tentando, por várias ocasiões, extrair
alguma coisa que poderia ser atraente para mim. Então, cheguei a uma conclusão,
mas para torná-la válida, eu precisava entrevistar alguns detentos e dessa
forma conseguir confirmar minha tese.
Um dia, em um de meus estudos, havia dezesseis jovens
reunidos para escutar a Palavra de Deus e foi aí que aproveitei para
entrevista-los, antes de levar uma mensagem com o título: O tráfico é a melhor
coisa do mundo. Desse número, treze eram ou estavam envolvidos com o tráfico de
drogas. Então utilizei a pergunta que não me deixava sossegar: por que entrar
por esse caminho? O que os levou a entrar nessa vida? E a resposta foi
exatamente o que eu imaginava.
Todas as repostas que obtive tinham algo em comum: o
dinheiro. Havia ali uma busca demasiada por isso. Contudo, a questão não era
simplesmente de tê-lo e sim o que poderia se conseguir através dele. O dinheiro
arcaria com as despesas com festas, bebidas, drogas e sexo. Eles queriam roupas
caras, desejavam sempre a ultima moda. Queria respeito e consideração. E por
fim, eles queriam armas e também veículos de transporte.
O TRÁFICO E A SEDUÇÃO
O tráfico se mostra muito encantador para adolescentes de
doze ou treze anos – idade na qual, muitos dos entrevistados iniciaram nesse
ramo. A possibilidade de se conquistar tanta coisa em tão pouco tempo e tudo
isso logo tão cedo, realmente se mostra uma proposta bem atraente.
Ao ser inserido no tráfico, o jovem começa a declinar em
seu nível estudantil – muitas vezes influenciado pelos efeitos da própria droga
– e, por conseguinte, em pouco tempo não consegue acompanhar os demais
companheiros de sala. As faltas começam a ficar constantes. Então ele se vê em
um dilema: para quê continuar estudando se já posso ter tudo o que eu quero? E
por esse motivo os índices de evasão escolar entre esses jovens são alarmantes.
É razoavelmente fácil de entrar por essa rota, todavia
muito difícil sair dela. O tráfico não é apenas uma forma ilegal de se
sustentar, ele tem suas próprias regras, e quem entra nele tem que escolher
entre segui-las piamente ou perder a própria vida. O “sistema” é rígido. Quem
compra e não paga, morre. Quem é delator – indivíduo que testemunha ou entrega
algum colega do “movimento” –, morre. E quem tiver inimigo, tem que matar para
não morrer. Alguns dizem: “entre ver a minha mãe chorando ou a dele, eu prefiro
a dele”. E assim o tráfico vai construindo seus próprios provérbios e
arrebanhando seus próprios seguidores.
O tráfico também possui normas reguladoras de
comportamento, ou se preferir, seu próprio código de conduta. O traficante não
usa qualquer roupa e não anda em qualquer lugar; no trafico se usa gírias
próprias; quem conhece bem o “movimento” não se atreve a olhar para a mulher de
outro. Torna-se, portanto, um estilo de vida.
Dos “caras” que conheci, os primeiros a serem seduzidos
pelo tráfico foram os jovens que não possuíam uma boa base familiar – alguns
criados pelos avós ou só pela mãe, todos com uma paternidade distante. Muitos
não tinham um relacionamento razoável com seus pais, não havia presença
masculina dentro de suas casas que os orientasse. Eles não aprenderam a receber
“não” como resposta.
O TRÁFICO E A CONTA
Quando me lembro deles e vejo como ficaram no decorrer do
tempo, os comparo com a terceira lei de Newton, o princípio da ação e reação. O
tráfico pode oferecer muita coisa atrativa, mas com certeza não é de graça.
Entre inúmeras coisas que o traficante perde, a primeira a se subtrair é o bom
convívio social, gerando muito conflitos. Isso engloba desde conflitos com
traficantes rivais, conflitos com a lei e conflitos com a própria sociedade.
Infelizmente o que vemos e ouvimos é que muitos são mortos, outros matam e
alguns são presos.
Durante esses anos, pude conhecer jovens que já tinham
cometido homicídio bem sedo, com quatorze e quinze anos. Geralmente nessa
idade, falta-se medo e sobra-se coragem. Ninguém quer parecer covarde. Não é
atoa que as páginas policiais da TV e dos jornais estão cheias de matérias
sobre óbitos de jovens criminosos.
O crime no estado do Ceará não é organizado, nem complexo,
tampouco hierárquico. Para alcançar certo prestígio e respeito não precisa
seguir um rígido plano de carreira. Vender drogas é mais fácil do que se pensa.
Entretanto, como em todo comércio, existe concorrência, só que a forma de se
ganhar e fidelizar clientes não se faz diminuindo o preço e sim eliminando a
concorrência. E quando isso ocorre algum parente vem e vinga a morte do seu
ente querido. Então, inicia-se um letal círculo vicioso.
Sabendo disso, muitos traficantes (principalmente os mais
novos) se arriscam em “novos desafios”, ao perceberem o risco de se manter
financeiramente só da boca de fumo e começam a se aprofundar cada vez mais no
crime. Surgem daí os assaltos, sequestros e os latrocínios.
O TRÁFICO E A SAÍDA
O traficante se acostuma com um padrão elevado de vida. Ele
se acostuma com a “filosofia do negócio”. E não consegue sair facilmente. A
ficha suja revela um passado de podridão moral e o nível escolar não condiz com
o nível exigido nas empresas. E alguns dizem: Estudar? Não, estou velho para
isso. Não conseguirei acompanhar os outros alunos.
A verdade é que os que se esforçam para sair se deparam com
um salário que é simplesmente menos da metade que eles costumavam ganhar, e
agora com uma família completa para cuidar torna-se então mais difícil a saída.
Talvez venha a pergunta: Será que o crime compensa? Para muitos sim.
O TRÁFICO E A LIÇÃO
Alguns dos “caras” que conheci a quase dez anos me viram no
presídio, pregando a palavra de Deus. Eles me reconheceram e até me escutaram,
porém não seguiram o caminho correto. Não falo do caminho da honestidade ou da
dignidade somente, mas do único caminho que é Jesus Cristo. Dos “caras” que me
ouviram no cárcere e voltaram para o meu bairro, acabaram morrendo em menos de
dois meses, sem ter passado pelo arrependimento.
Onde inicia este problema? Talvez você diga que está na
política, ou nas leis que soltam e protegem os bandidos, ou que o problema
esteja na falta de polícia, ou você pode dizer que se o governo liberasse o
consumo de drogas as coisas seriam bem melhores. Todavia, creio que tudo isso é
apenas um reflexo de como anda os corações das pessoas. Desvalorização
familiar, egoísmo, hedonismo... querem fama, querem ser aceitos a qualquer
custo, não suportam ser contrariados.
Através do tráfico o Diabo tem tragado lentamente a vida de
muitas pessoas, e estas pensam não estar nada acontecendo, no entanto, quando
percebem já perderam muito mais do que imaginavam.
Os “caras” que conheci decidiram entrar por esse rumo. Eu
os desprezei por anos, eram insignificantes e desprezíveis para mim. Quando
percebi que não era e nunca tinha sido melhor do que eles, entendi que eles
precisavam de alguém que eu conhecia não só de ouvir falar, de alguém que
poderia reverter toda essa situação. Eles precisavam de Deus e eu podia
mostrar-lhes a rota certa. Decidi que daqui pra frente não quero mais ser
indiferente aos “caras” que perderam o caminho. Para os que já morreram, não
resta fazer mais nada, contudo aos que ainda estão vivos eu posso lhes dar a
bússola.
E você conhece algum “cara” que entrou por esse caminho?
Miguel Alysson
Conheço e se conheço. Todos os dias vou trabalhar e me deparo com adolescentes tão novos que preferem estar no tráfico do que estudar para ter um bom emprego. Eles dizem: Estudar para quê professora? Se eu posso vender drogas?
ResponderExcluirMeu coração fica apertado ao ouvir isso, tento convencê-los do contrário, mas é tudo em vão.
E além do mais, ainda existe aquela história do "prefiro não me envolver".
Então, só me resta orar por essas vidas, sei que não é muito mas é um começo. Lícia