As Implicações do Cecal

Uma reflexão

Ele nem pensou direito! Bem que poderia ter pensado duas vezes. Então por que ele foi? Por que não fez indagações pertinentes a essa voz? Simplesmente, porque ele confiava. Abraão não duvidou de coisa alguma nem desobedeceu a quem o chamava. Sair de sua casa, ficar longe dos seus parentes, sair de sua cidade, onde construiu a sua história, para um lugar que nem sabia ao certo qual era... Como explicar tal feito? É claro que o mérito não é dele, mas para alguém que vive em pleno século XXI, significa uma completa falta de planejamento ou até mesmo loucura.

O sermão de domingo passado foi exatamente sobre esse assunto. Isso me faz refletir sobre os pensamentos de Deus e os caminhos dos homens. Não é só porque os caminhos de Deus sejam ás vezes complicados, mas também porque a visão do homem é muito pequena para compreender um tão maravilho e poderoso Criador. Na verdade, não somos tão obedientes e nem temos tanta confiança no Senhor como deveríamos, e quando isso acontece (na maioria das vezes), nós perdemos várias e várias oportunidades de agradar ao Pai e abençoar vidas. Isso mesmo! Abençoar vidas.

Ás vezes, focamos o chamado de Abraão (ou Abrão se acha melhor) só na parte que ele obedeceu e creu em Deus, mas o que dizer da parte que o Senhor o manda ser uma benção e que, por meio dele, as pessoas do mundo inteiro seriam abençoadas? Talvez, pouco consideramos esta premissa. Infelizmente, erramos aí. Deus nos chama para abençoar vidas, mas o nosso umbigo insiste em dizer que nós estamos em 1° lugar. Chegou a hora de mudar.

Falando sobre o inexplicável e sobre os pensamentos altos que o nosso Deus tem, eu gostaria de ter o privilégio de escrever sobre uma história real que ocorreu em minha vida por causa do trabalho em Cristo, que para glória dele eu realizo. Já sabe do que se trata? Hum... É isso aí, novamente acertou. Mais uma vez estou escrevendo sobre o Cecal. Sim, é sobre ele e sobre a influência dele na vida de pessoas que estão fora do presídio. Comecemos a história, antes que fique tarde, e eu passe 2 horas nessa introdução sem fim. Prestem atenção porque isso foi real.


Mudança através da rotina

Há um ano, fui promovido na empresa em que trabalho e acabei indo para um setor que eu não tinha a mínima ideia de como funcionava, seu nome era Divisão de Manutenção e Obras. A construção civil, pintura, eletricidade, hidráulica e refrigeração eram de responsabilidade deste setor. Poxa... Que desafio! Pessoas novas, atividades novas e um clima diferente do habitual. O meu horário ficou assim: de 7:00h as 17:00h, de segunda à sexta. Bom, pra mim ficou legal desse jeito, eu continuava com o sábado livre. Ótimo! Mas, depois de alguns meses, o inesperado veio e o assistente do meu chefe, Edson (que era um de meus superiores), veio conversar comigo juntamente com o encarregado da elétrica (que também era meu chefe). Não foi tão formal quanto eu esperava, mas o assunto era de magnitude considerável. Miguel, precisamos que você venha aos sábados, disse Roberto; o Edson concordou. Eita... E agora? – pensei comigo mesmo.

Então falei: Não dá pra mim, no sábado. Por quê? - surgiu a indagação. Eu respondi: Dou aulas de bíblia no Cecal. O que é Cecal? Aí, vem a velha explicação que todo mundo já está cansado de saber, mas eles não sabiam, e eu tinha que contar. Então, eles insistiram, mas eu discordei. Disse que o acertado era de eu ficar de segunda à sexta, somente. Não poderia deixar de ir para o trabalho evangelístico. Eu disse que não iria. Por quê? - perguntou um deles. Porque eu falo da bíblia para os internos, e foi Deus quem mandou eu fazer isso.

Foi aí que eu me empolguei e falei sobre o trabalho, sobre quem me levou, sobre como era lá, e sobre como eram feitas as pregações, os estudos e o material que utilizávamos. Tirei a minha mochila do armário e mostrei a História da Esperança, revista que nós usamos no evangelismo. Então bateu aquela curiosidade, acho eu, que vinha diretamente do céu. Eles olharam para mim e ficaram folheando as páginas. Depois que comentei as várias formas de estudá-la, eu lancei o seguinte desafio ao Edson: Se quiser a gente pode começar um estudo, eu e você, aceita? Ele, que é católico fervoroso e assíduo praticante, deu a sua resposta que, para a minha surpresa, foi: Sim! Meu Deus, como os teus caminhos são maiores que os meus! – falei só pra mim, e com um sorriso no rosto eu disse quando começaríamos.

O que ocorreu foi inacreditável! E na semana seguinte nós começamos. Eram 40 lições que daríamos, desde o começo do livro de Gênesis, até o capítulo final de apocalipse. Havia uma muralha me desafiando. Sua idade era maior, suas experiências eram maiores e seu conhecimento era maior, eu não poderia atravessar esse grande muro, mas sabia que Deus poderia derrubá-lo.

Então, comecei um estudo que tinha tudo para não dar certo, mas vi que as coisas não são do jeito que eu penso. O que aconteceu foi que Cristo nos direcionou de uma maneira impressionante, não havia como conter a gratidão. Via nitidamente a sabedoria do Espírito vindo sobre mim, sim, sem dúvida. Não conseguimos entender a bíblia sem que o Espírito Santo abra o entendimento, isso é fato, explicá-la então... Seria praticamente impossível. E foi com essa ajuda que prosseguimos juntos. Durante meses a Palavra foi pregada e houve muito impacto na vida do Edson e a minha vida também foi muito impactada, porém de maneira diferente. Não importava o quanto eu havia estudado e nem o quanto eu tinha orado, a bíblia sempre falava ao meu coração. E foi desta maneira que finalizamos os estudos no antigo testamento. Daí, passei um trabalho para ele (poderia se chamar conclusão de testamento), que demorou alguns dias para ficar pronto. A responsabilidade de explicar era minha, não importa o que houvesse, eu tinha que ensinar mesmo que ele não se rendesse as verdades que escutara. Três partes integravam o trabalho: resumo de todas as aulas; aulas mais falaram ao seu coração; e o que você aprendeu de Deus durante o estudo. Agora, o trabalho estava pronto, em minhas mãos, e ele o concluiu de uma maneira muito surpreendente.

As aulas sobre o novo testamento iniciaram, e, ainda lembro como se fosse ontem, a exposição do sermão de João Batista. Um tanto quanto duro e difícil de engolir, é verdade, mas necessário para cada um de nós. Produzam frutos dignos de arrependimento! (…) Quem vos ensinou a fugir da ira vindoura? – eram as suas palavras. Que choque! O tempo passou e as aulas continuaram, e sempre o Criador falava às suas criaturas sobre a história que realmente nos trás esperança: o Evangelho.


Um pouco mais dele

O Edson é um ótimo profissional, daqueles que você quer trabalhando na sua empresa, e sendo o seu braço direito. Tem uma esposa com o mesmo nome que o de minha mãe: Eliane. Também tem um filho chamado Ederson, a cara dele. Não tinha como negar. Mas ele era um pouco mais discreto do que eu, bem mais discreto em sua personalidade, era meio fechado e até conseguiu assistir, com a esposa, o filme À prova de fogo e não chorar. Como alguém consegue esse feito? Ele era assim.

E foi com esse homem que eu consegui chegar até a 35° lição, isso não significa que eram 35 pregações, acho que preguei umas 42 ou 43 vezes. Eu já havia trocado de calendário, só para você ter idéia. E durante a 35° lição algo ocorreu.


O agir

Pedro explicava que Cristo tinha ressuscitado e era isso que o movia para pregar – era o texto que eu estava pregando – ele dizia que na verdade o povo não estava embriagado, apenas estavam cheios do Espírito, como diz o profeta Joel. Em meio a essa explanação surgiu uma dúvida, e para ser sincero foi quem a coloquei propositalmente: Qual era a finalidade principal da pregação de Pedro? Salvar as pessoas – disse o Edson em um tom meditativo. Não, eu respondi seguramente, ele buscava em primeiro lugar a glória de Deus através da obediência ao seu mestre Jesus. Ele precisava agradar quem o tinha enviado e, somente em segundo lugar, Pedro gostaria de mostrar a salvação que ele mesmo desfrutava.

Ainda permaneci por mais um tempo explicando isso, até que ele chegou a conclusão que era mesmo verdade aquilo que ouvia. Depois de um assunto polêmico, ele quis falar e eu estava ali para ouvi-lo, para perceber o que havia dentro dele. O Edson me dizia o quando tinha mudado desde o começo das aulas e o quanto ele se preocupava com coisas que antes ele não tinha a mínima noção de importância; ele falava que queria se ajeitar, se consertar, queria ser correto, pois se sentia incomodado pela incapacidade de fazer o bem da forma que Jesus manda. Ele achava que, desta forma, estaria passando pela porta estreita. Aí estava o erro.

Depois de tê-lo escutado, tomei a palavra e comecei a corrigir alguns erros de pensamentos. Mostrei alguns versículos que mostram sobre a salvação, desde o seu recebimento até a certeza de que não poderíamos perdê-la. Foi assim que ele percebeu que não era do jeito dele que as coisas funcionavam, mas do jeito que Deus queria e quer: pela graça, através da fé em Cristo, que vem acompanhada com um profundo arrependimento.

Então lancei o desafio (ou apelo, se preferir), ele baixou a cabeça, aí percebi que era o momento de eu fazer silêncio, deixa-lo pensar. Depois de alguns instantes, ele disse: Eu quero renovar a minha fé, quero sim! É chegada a hora em que você finca a bandeira do antes e depois? - perguntei surpreendido. Sim – ele respondeu. Saiba que não tem volta, uma vez com Cristo para sempre com Cristo – eu disse – talvez você perca muitas coisas, e saiba que quando se fala sim para Jesus, precisamos dizer não para muitas outras coisas. Você quer isso? Sim, eu quero – ele respondeu. Então vamos orar. Não sondo corações, todavia creio que naquele momento vi um eleito nascer (como dizia Spurgeon). No caminho de volta para a nossa sala de trabalho, ele me disse que estava sentindo o poder do Espírito Santo, pois o seu coração estava funcionando de uma forma diferente.

Quem explica os segredos de Deus? Quem pode conhecer os desígnios de Seu coração? Quem pode? Não há ninguém que o faça, mas se pudesse, certamente não seria eu. O que posso dizer é que o Senhor do evangelho é eficaz, que a sua graça é de fato irresistível. Só posso dizer isso. Glória a Deus!


Em suma, uma surpresa esperada

Ás vezes, miramos em uma coisa, mas acertamos outra, fazemos algo com finalidades específicas, mas chegamos a outras conclusões. Por muitas vezes, você prega por um bom tempo onde ninguém se converte, mas a sua persistência causa impacto e admiração em outras pessoas que ainda nem te ouviram, como ocorreu comigo e com o Ronaldo na ultima vez que fomos ao Amanarí.

O Salvador tem os seus meios, e não nos cabe entender, mas crer e obedecer. A paciência em ir semanalmente ao Cecal ocasionou em uma porta aberta fora do Cecal, quem poderia imaginar? Lembremos o que Abraão viveu; isso deve nos motivar a sermos como ele. A voz do Soberano deve falar mais alto do que tudo o que escutamos.

Não sei como será a vida do Edson daqui pra frente e não sei quais as decisões que ele tomará futuramente, mas quanto a mim, sei que preciso continuar, sei que não devo parar e sei que não conseguirei sair de onde estou se o Senhor não estiver comigo. Deus tem nos ensinado, dia após dia, que devemos ser constantes e abundantes na obra de Cristo, não com a ênfase nos resultados, pois estes não nos competem, com a ênfase na obediência (que é melhor do que sacrificar).

Quando continuarmos, sem dúvida perceberemos a surpresa que nos aguarda. Ela pode vir com a resposta de pecadores se arrependendo, porém se esta não vier, os nossos olhos contemplarão os prêmios que nosso Pai guarda para aqueles que o obedecem. Se você não pensa tanto nisso, poderá pensar na alegria que Deus sente quando o amamos por meio de obediência, aí você verá como um pecador miserável agrada a um Criador Soberano e Generoso. Isso, sem dúvida, será uma grande surpresa para você.


Em Cristo,

Miguel Alysson

2 comentários:

  1. É impressionante como Deus age em nossas vidas!! Ele abre algumas portas e fecha outras com o propósito que muitas vezes não entendemos. Não entendemos porque nossa visão humana limitada só consegue enxergar até certo ponto. Mas os propósitos de Deus estão muito além das nossas limitações. E esse foi um exemplo claro de como Deus nos usa para glorificá-lo.

    ResponderExcluir
  2. É isso mesmo Lícia!!! Deus faz isso e mais um pouco. Ele é que nos encoraja, nos dá oportunidades, nos capacita e nos manda.

    É sempre um prazer ver você aqui no nosso blog.

    Abração

    ResponderExcluir